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28 de set. de 2008

Do Desenho


Jean-Auguste Dominique Ingres


O desenho é a probidade da arte.
Desenhar não quer dizer simplesmente reproduzir contornos; o desenho não consiste meramente no traço: é também a expressão, a forma interior, o plano, o modelado! Vejam o que resta depois disso! O desenho compreende os três quartos e meio daquilo que constitui a pintura. Se eu fosse pôr uma tabuleta em cima da minha porta, escreveria: “Escola de desenho”, e estou certo de que formaria pintores.

O desenho compreende tudo, com exceção do matiz.
É preciso desenhar sempre, desenhar com os olhos quando não se pode desenhar com o lápis. Enquanto vocês não fizerem a inspeção de caminhar a par com a prática, não farão nada de realmente bom.

O pintor que se fia em seu compasso apóia-se num fantasma.
Que não se passe um único dia sem traçar uma linha, dizia Apeles. Ele queria dizer com isso, e eu mesmo lhes repito: a linha é o desenho, a linha é tudo.

Se eu pudesse torná-los todos músicos, vocês ai ganhariam como pintores. Tudo é harmonia na natureza : um pouco a mais, um pouco a menos altera a gama e provoca uma nota falsa. É preciso conseguir ter afinação com o lápis ou o pincel tanto quanto com a voz; a exatidão das formas é como a afinação dos sons.

Ao estudar a natureza, só tenham olhos inicialmente para o conjunto. Interroguem-no e apenas a ele. Os detalhes são minúcias pouco importantes que é preciso reduzir pela força. A forma ampla e tão ampla! A forma é o fundamento e a condição de tudo: até a fumaça deve ser expressa pelo traço .
Vejam no modelo as relações de grandezas; é ai que está todo o caráter. Sejam vivamente tocados por elas, e, também vivamente, tornem essas grandezas relativas. Se, em vez de seguir este método, vocês tatearem, se buscarem na teoria, não farão nada que valha. Tenham inteira nos olhos, no espírito, a figura que querem representar, e que a execução seja apenas a realização dessa imagem já possuída e preconcebida.

Ao traçar uma figura, procurem antes de tudo determinar, e bem caracterizar, seu movimento. Eu não saberia muito bem lhes repetir, o movimento é a vida.

Não economizem tem nem esforços para chegar à pureza da expressão, à perfeição do estilo. Sirvamo-nos, para nos corrigir sem cessar, até mesmo da facilidade que podemos ter. Malberbe, dizem, trabalhava com uma lentidão prodigiosa: sim, porque ele trabalhava para a imortalidade.

É preciso fazer desaparecer os rastros da facilidade; são os resultados e não os meios empregados que devem aparecer. É preciso fazer uso da facilidade desprezando-a; porém, apesar disto, quando se gasta cem mil francos, é preciso ainda se divertir por dois vinténs.
Quanto mais simples são as linhas e as formas, tanto mais beleza e força há. Todas as vezes que vocês dividem as formas, enfraquecem-nas. Isto se dá como com o fracionamento em todas as coisas.

Por que não se faz caráter grande? Porque em vez de uma forma grande, fazem-se três pequenas.

Quando as linhas principais não estão antes de tudo no caráter, só conseguimos produzir semelhanças duvidosa.

Na construção de uma figura, não procedam por pedaços. Conduzam tudo ao mesmo tempo, e, como se diz muito bem, desenhem “ o conjunto”.
Não se deve tentar aprender a fazer um belo caráter: é preciso encontrá-lo em seu modelo.

As formas belas são planos retos com redondezas. As formas belas são aquelas que têm firmeza e plenitude, em que os detalhes não comprometem o aspecto das grandes massas.

É preciso dar saúde à forma.

O completo da forma está no acabamento. Há pessoas que se contentam, no desenho, com o sentimento, este, uma vez expresso, lhes basta. Rafael e Leonardo da Vinci estão aí para provar que sentimento e precisão podem se aliar. Os grandes pintores, como Rafael e Michelangelo, insistiram no traço para o acabamento. Repetiram-no com um pincel fino, reanimando assim o contorno; imprimiram em seu desenho o nervo e a fúria.

Nós não procedemos materialmente como os escultores, mas devemos fazer pintura escultórica.

Um pintor tem bastante razão em se preocupar com a delicadeza, mas deve aí acrescentar a força, que não a exclui, longe disto. Toda a pintura está no desenho ao mesmo tempo forte e delicado. Ela está apenas aí, por mais que se diga o contrário; num desenho firme, soberbo, caracterizado, mesmo se tratando de um quadro que deva impressionar pela graça. Só a graça não basta, o desenho polido tampouco. É preciso ainda mais: é preciso que o desenho amplifique, que envolva.

Há sempre benefício, quaisquer que possam ser aliás os defeitos, numa obra em que a cabeça comandou a mão. É preciso que isto fique perceptível, mesmo nas tentativas de um iniciante. A habilidade da mão se adquire por meio da experiência; mas a retidão do sentimento, da inteligência, eis o que pode se mostrar de saída, e eis também, numa certa medida, o que faz as vezes do resto.

Desenhem puramente, mas com amplidão. Puro e amplo; eis aí o desenho, eis aí a arte. Desenhem muito antes de pensar em pintar. Quando se constrói sobre um sólido fundamento, dorme-se tranqüilo.

A expressão na pintura exige uma ciência do desenho bastante grande; pois a expressão não pode ser boa se não foi formulada com justeza absoluta. Apreende-la apenas pela metade, é perdê-la, é representar somente pessoas falsas que se esforçariam por imitar sentimentos que não sentem. Só se pode chegar a essa extrema precisão pelo mais seguro talento no desenho. Do mesmo modo, os pintores de expressão, entre os modernos, foram os maiores desenhistas. Vejam Rafael!

A expressão, parte essencial da arte, está portanto intimamente ligada à forma. A perfeição do colorido é aí tão pouco requerida que os excelentes pintores de expressão não tiveram, como coloristas, a mesma superioridade. Acusa-los disto é não conhecer suficientemente as artes. Não se pode pedir ao mesmo homem qualidades contraditórias. Aliás, a presteza de execução de que a cor necessita para conservar todo seu prestígio não combina com o estudo que a grande pureza das formas exige.

.... Num quadro, é preciso que a luz caia em algum lugar com força e que a atenção do espectador seja atraída para esse ponto. O mesmo ocorre numa figura em que o efeito deve irradiar de um ponto central; é isto que causa as gradações. Para a forma, é preciso também que um grande trecho dominando todo o resto se aposse primeiramente do olhar; este é um dos elementos principais do caráter no desenho.

Para chegar à bela forma, não se deve proceder por um modelado quadrado ou anguloso; é preciso modelar redondo, e sem detalhes internos aparentes.

Quando se tem uma única figura no quadro, é preciso modelá-la em rondebosse ( em pleno relevo) e buscar assim seu efeito pictórico.

Tenham sempre uma caderneta no bolso e anotem em poucas linha rápidas a lápis, os objetos que lhes chamam a atenção, se não tiverem tempo de indicá-los por inteiro. Mas se têm tempo de fazer um croqui mais preciso, apropriem-se do modelo com amor, considerem-no e o reproduzam sob todas as formas, de maneira a alojá-lo em suas cabeças, a que se incrustem nelas como propriedades de vocês.

Faço questão que se conheça bem o esqueleto, porque os ossos formam a estrutura do corpo, cujas extensões determinam, e eles são para o desenho pontos contínuos de referência. Importo-me menos com o conhecimento anatômico dos músculos. Ciência em demasia nesses casos prejudica a sinceridade do desenho e pode desviar da expressão característica para conduzir a uma imagem banal da forma. É preciso entretanto observar a ordem e a disposição relativa dos músculos, a fim de evitar, também desse lado, os erros de construção. Esses músculos são todos meus amigos: mas não conheço nenhum deles por seu nome. Os contornos externos nunca se curvam para dentro. Ao contrário, eles abaúlam, como uma cesta de vime. ...A cabeça e o pescoço nunca se alinham: formam sempre duas linhas descontínuas. Numa cabeça, a primeira coisa para o artista é fazer os olhos falarem, a não ser que se indique apenas sua massa.... É preciso seguir esse exemplo ao pé da letra e banir os manequins, exceto para os retratos, e também somente para esses enfeites de mulher que requerem um acabamento detalhado. Portanto, nada de manequim. Uma vez encontrado um belo motivo de planejamento, é preciso adaptá-lo à natureza....






6 comentários:

Silvares disse...

Na pintura de Ingres a forma sobrepõe-se nitidamente à mancha. É como se fizesse desenhos coloridos. Excelentes desenhos, excelentemente coloridos. Este conjunto de regras são uma espécie de manual do academismo neoclássico.

Maria Augusta disse...

Não entendo da técnica do desenho, mas reconheço que é a base da pintura, admiro enormemente estes que conseguem captar o que vêem e reproduzi-lo com alguns traços...
Beijos e uma boa semana.

Marcos Santos disse...

Ju,

Nunca filosofei sobre o tema, mas tenho uma certeza:
Eu penso que toda criança aprende a fazer desenhos, mas o artista é a criança que não para de desenhar. O segredo é incentivar as crianças a continuarem. A não pararem.

Só- Poesias e outros itens disse...

Silvares, concordo com o academismo clássico, mas Ingres nos soube dizer da importância do desenho com muita sensibilidade, coisa que a arte atual não faz ao perder seu objeto. Arte virou consumo, como você tão bem nos falou em alguns de suas reflexões.
Todos desenhamos aos pintar, independente da forma, pintamos com a cor, com a luz, com a simples representação.

Obrigado pelo comentário.

bjs.

JU Gioli

Só- Poesias e outros itens disse...

Maria Augusta, todos somos artistas de alguma forma quando consequimos transmitir nossa subjetividade, como voce que faz de suas pesquisas sempre um algo a mais, dando suas perspectivas, o seu amor, e prazer... isso é arte.
Arte é vida.

obrigado pelo comentário.

Só- Poesias e outros itens disse...

Marcos Santos, você apontou para um fator de extrema relevância, a importância do incentivo para qualquer idade.
Desenhar organiza o sentir, de alguma forma ele concentra o fazer, é como ler um romance com atenção porque as palavras nos prendem, queremos ir até o fim.
Desenhar é uma delícia.

bjs.

JU Gioli


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